Ensinamentos na Argentina para um Pantanal sustentável

A Província de Corrientes, Argentina, demorou 70 anos para ver um filhote de onça-pintada nascer livre nas zonas úmidas de Iberá. Isso ocorreu em 2022. Um pouco antes, em 2018, a natureza mostrava sua força de recuperação quando os primeiros filhotes em cativero nasceram.

Nessa época um pouco mais distante, o país parou pelo acontecimento e o então presidente Maurício Macri foi pessoalmente ver a conquista da natureza que brindava os argentinos. Os filhotes nascidos livres são filhos de um macho pantaneiro. Jatobazinho foi de Mato Grosso do Sul para aquela região para se recuperar.

E assim como seus coespecíficos, ele tem uma grande função – garantir o repovoamento da espécie em uma área protegida de quase 700 mil hectares com grande abundância de presas selvagens, como as capivaras e os jacarés, e assim devolver a funcionalidade a esse ecossistema. Esse nascimento faz parte de um esforço pioneiro no mundo de rewilding, ou, refaunação.

Uma ação que busca recuperar a vida silvestre em vários lugares, como na Argentina, através da reintrodução de espécies de animais extintos nestes ambientes. A caça e o desmatamento na Argentina destruíram habitats e foram responsáveis pelo desaparecimento de inúmeras espécies de animais silvestres.

Na sequência, vieram impactos sobre os serviços ecossistêmicos, o empobrecimento do solo e a inviabilidade econômica das áreas para a pecuária. Ainda não podemos desconsiderar a perda da identidade cultural e da autoestima daqueles que vivem nessa e dessa terra. Tornou-se um deserto! Pode parecer estranho, e garanto, não é ficção.

Eu visitei este lugar anos atrás e, agora em 2023, um time formado por biólogos e médicos-veterinários do Instituto Homem Pantaneiro também foi visitar a região de Corrientes, na Argentina, para entender o processo de rewilding feito por lá e delinear um acordo para uma cooperação técnica. Especialmente para entender o que fazer ou não fazer.

Fiquei impressionado quando estive em visita no campo das áreas em Iberá e percebi a inexistência total de vida, era um lugar triste. Exemplos de catástrofes ambientais como esta estão espalhados pelo mundo.

No livro “Colapso”, Jared Diamond explica como civilizações foram extintas por exaurirem seus recursos naturais. Pelo trabalho árduo e ininterrupto de pesquisadores, governos, organizações da sociedade civil e comunidades locais, com alto custo, essa realidade vem mudando em Iberá e em toda Corrientes. Tendo a onça-pintada como bandeira, a província se reconheceu como a “República Jaguaretê”.

O retorno da onça-pintada trouxe de volta o predador topo de cadeia e um ecossistema completo, que se converteu no principal atrativo turístico da região. Com o modelo de produção de natureza, ressurgiu o desenvolvimento econômico e social da região.

Em meio a tanta destruição e iniciativas onerosas para a restauração de ecossistemas sob vários pontos de vista, temos o Pantanal, uma referência mundial em sustentabilidade, lugar abençoado por belezas naturais e grande base de biodiversidade para o planeta.

Porém, que tanta pujança não ofusque nossa visão, pois o Pantanal, embora rico, é frágil e não sustenta um modelo de desenvolvimento que não considere suas fragilidades. E, certamente, não podemos consumir nosso futuro. Toda causa gera um efeito, como diz o sexto princípio Hermético.

Nesse sentido, a Lei do Pantanal é uma oportunidade para o desenvolvimento com propósito, sem efeitos indesejáveis, respeitando a natureza e as necessidades humanas. Diz no poeta maior, Manoel de Barros, “Quem se aproxima das origens, se renova”.

(*) Coronel Ângelo Rabelo, ex-comandante da Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul e presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP).

Artigo publicado no site Campo Grande News e no jornal impresso O Estado.

Tags :
Share This :

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.